27/04/2006
O triunfalismo cristão é de Deus ou do diabo?
Estamos hoje em dia vendo um fenômeno interessante e ao mesmo tempo preocupante: o triunfalismo ganhando cada vez mais terreno no arraial evangélico. Mas o que é triunfalismo? Que significa esta palavra esquisita? Triunfalismo advém de triunfo, que é o mesmo que vitória, conquista, sucesso, etc. Todavia, no meio cristão isto veio a representar uma atitude positivista frente às adversidades da vida. Teoricamente, não chega a ser uma má coisa. Teoricamente. Sim, porque o desânimo tem afogado muitas pessoas nas águas lamacentas da mágoa e desesperança, causando o naufrágio de muitos sonhos brilhantes. Logo, é louvável ter uma atitude de não esmorecer frente às dificuldades tão presentes no corre-corre diário. Mas daí permitir que essa atitude chegue às raias da arrogância e do orgulho é simplesmente solapar o alicerce do caráter cristão expresso nas palavras de Jesus: aprendei de mim que sou humilde e manso de coração.
Presenciamos hoje, no meio cristão, cenas impensáveis até algum tempo atrás. Talvez o acréscimo rápido nas estatísticas eclesiásticas não tenha sido acompanhado de um plano eficaz de doutrinamento bíblico e discipulado, o que faz acender um alerta para o perigo do mesmo fato ocorrer na China comunista, palco do maior avivamento evangélico dos últimos anos. Infelizmente, junto com o expressivo crescimento evangélico no Brasil, assistimos um decréscimo repugnante no nível de caráter apresentado pelos cristãos evangélicos de um modo geral. Ser crente (ou pastor) não é mais sinônimo de caráter ilibado e idoneidade moral. Infelizmente, observamos cada vez mais o distanciamento entre o comportamento assumido dentro da igreja e fora dela. O cristão evangélico de hoje, dependendo da forma como foi doutrinado ou se é que o foi, é uma incógnita teológica: não sabe em que crê, por que crê e como crer de forma ortodoxa.
Às vezes, chegamos a pensar que a Igreja evangélica está importando idéias mirabolantes do imaginário popular futebolístico. Em jogo da seleção brasileira, todo torcedor é um técnico em potencial que sabe melhor do que ninguém, inclusive que o próprio técnico oficial, qual a melhor escalação, quais jogadores devem ser convocados e quais não, qual a melhor tática, etc. Penso que se fossem montar todas as seleções possíveis desses técnicos, não haveria jogadores brasileiros suficientes. Em se tratando de futebol brasileiro e seleção nacional, parece que a única unanimidade entre os torcedores tupiniquins é a aversão assumida contra os argentinos. Penso que o cenário está se repetindo entre os evangélicos: todo crente agora deseja ser um teólogo respeitado e criar uma nova teologia em cima de um suposto melhor entendimento das Escrituras. Mas querem fazer tudo isso desrespeitando princípios teológicos seculares sem sequer terem dedicado algumas horas em meditar acerca do que estão defendendo. Uma verdadeira lástima.
Isso tem preocupado muitos líderes sinceros e respeitados, e sua preocupação é totalmente abalizada. Acredito firmemente que a chamada Teologia da Prosperidade foi a responsável por esse afrouxamento perigoso de padrões que resultou nesse caos teológico. Foi como se tivessem sacramentado o pensamento pluralista – que aceita idéias contraditórias ao mesmo tempo – na teologia cristã. Agora qualquer pessoa pode advogar ter recebido uma nova revelação e sair por aí se autoproclamando o último profeta do momento, tal qual aquele pãozinho francês recém saído do forno, crocante e apetitoso. Oxalá eles tivessem mesmo entrado em um forno antes de falarem suas asneiras a torto e a direito; um profeta desses a menos não faria falta alguma, ou será que alguém aí discorda?
O triunfalismo nada mais é que o principal produto da famigerada Teologia da Prosperidade, a qual acrescento o “Material”, ficando assim: Teologia da Prosperidade Material (ou TPM dos crentes…). É um tal de não aceito isso, não aceito aquilo outro, doente não posso ficar, miséria não é pra mim e por aí vai… A aceitação, ou melhor, a proclamação da Teologia da Prosperidade foi a institucionalização da arrogância entre os crentes.
Por que essa “nova revelação” não surgiu na época da igreja primitiva? Seria muito útil lá, afinal a perseguição era terrível e cruel. Ser cristão naquela época era quase que ser considerado terrorista da Al Qaeda nos dias de hoje. Mas os intentos de Satanás foram frustrados, visto que para cada cristão que morria surgiam dez em seu lugar! Parecia que era fertilizante e não sangue que corria em suas veias. Cada gota de sangue cristão derramado irrigava uma nova safra de crentes mais dispostos que a anterior, para desespero do diabo. Aquilo pra ele era um verdadeiro inferno. Escaldado com essas experiências negativas (ou seria melhor dizer positivas?), ele resolveu mudar de tática: descobriu que melhor que matar um crente fiel era deixá-lo vivo, mas tornando-o infiel. Com isso, o benefício seria duplo: enquanto a morte de um crente fiel produzia piedade em vários outros, a vida de um crente infiel (se é que isso existe!) traz vilipêndio ao nome de Jesus e desmoralização à sua igreja, que é o seu corpo.
Preciso reconhecer, todavia, que não existem pessoas perfeitas. Há pessoas sinceras e que expressam um compromisso com Cristo que ainda se encontram em processo de lapidação e aperfeiçoamento do caráter que cometem muitos vacilos na fé. Existe uma variação de humor e atitude por parte destes que tornam sua caminhada cristã muito semelhante a uma jornada de montanha-russa. Uns dias lá no alto, já outros lá em baixo. Esse tipo de crente é uma incógnita e um desafio ao entendimento do ser humano. Apesar de ser sincero e buscar com todas as forças ser arrolado entre os fiéis, ele sempre tem um pecado aqui ou acolá, geralmente de estimação, cultivado há anos e mantido sob o maior sigilo enquanto se decide se o abandona de vez ou não ou se apenas o suprime temporariamente para vê-lo surgir mais adiante. Estes crentes bem que poderiam, ao se relacionarem com outras pessoas, identificarem-se com um crachá tipo “CUIDADO: CRENTE EM OBRAS”.
Todavia, esse não é o tipo que traz maior prejuízo ao Reino de Deus, embora inquestionavelmente o faça. Talvez um exemplo bastante significativo seja o rei Davi e seu caso extraconjugal com Bate-Seba. Apesar de já haver demonstrado várias vezes seu grande valor e imensa coragem em inúmeras batalhas, sua misericórdia ao poupar mais de uma vez a vida de seu mais feroz perseguidor e tantas outras coisas louváveis, acabou caindo desgraçadamente nos braços de uma mulher que lhe era proibida (como se houvesse escassez de mulheres a seu dispor no palácio…). É necessário ressaltar que Davi não foi seduzido por ela, mas sim a seduziu. Este talvez seja um dos maiores mistérios de toda a Bíblia: tentar entender por que um homem como Davi, repleto de tantas qualidades, acabou se tornando o mentor intelectual de um assassinato com o único objetivo de usufruir dos deleites sexuais da viúva. Por que aquele gigante da fé e baluarte da moral sucumbiu tão miseravelmente ante sua própria natureza carnal? Talvez minha maior dúvida não seja esta, mas sim por que Deus não o fulminou antes de perpetrar o fato ou mesmo depois de consumar o ato? Tremo só de pensar nisso, visto que minha vida seria alvo de coisas piores que as que prescrevi a Davi. Pesando ambos na balança, Davi e eu, penso que seria semelhante a tentar comparar o peso de um mosquito com o de um elefante. Obviamente, Davi não é o mosquito. Penso com certa dose de convicção que Davi serve de espelho para a grande maioria dos crentes fiéis no Brasil. Capazes de grandes feitos heróicos e suscetíveis a escabrosos fracassos também, mas indubitavelmente alvos do grande e imerecido amor de Deus. Infelizmente, crentes como José “do Egito” e Daniel “da Babilônia” (relatados no AT), fiéis a toda prova, imaculados no meio da lama, são raridade mesmo na narrativa bíblica.
No NT temos o exemplo de Pedro, o apóstolo da liderança e o crente da inconstância, líder nato e volúvel até os ossos, bem parecido com vários irmãos que conheço, inclusive eu. Parece uma febre: queremos fazer grandes coisas para Deus, revolucionar o mundo, mas nem sequer conseguimos arrumar a própria casa. Queremos ganhar o mundo para Cristo, enquanto que no oculto de nossas ações individuais perdemos a batalha da obediência no altar enganoso da indecência. Afinal, o que somos? O que isso significa? Que nossos maiores esforços individuais não são páreos para a força do pecado que em nós habita e milita. Sem a ajuda de Deus, ou se virarmos as costas para Ele, podemos nos tornar uma caricatura de Hitler a qualquer momento na primeira oportunidade. Se com o Espírito Santo habitando em nós ainda fazemos coisas reprováveis sabendo que o são, como não nos afundaríamos no lamaçal perigoso do pecado se o abandonarmos?
Tenho para mim que essa forma de Deus permitir que nossas fraquezas nos deixem em situações embaraçosas demais para as ignorarmos é uma maneira de Ele nos preservar humildes e dependentes de seu poder e graça. É óbvio que se eu pudesse escolher, jamais escolheria esta forma tão humilhante de submissão; o único e maior problema é que eu sou o servo e não o senhor… mas meu maior medo é que esta seja não apenas a melhor mas sim a única forma de eu conseguir permanecer próximo a Deus. E se for, com alegria a suportarei, porque me prova quão grande amor Ele tem por mim para me suportar mesmo assim.
Entretanto, o que me traz preocupação não é o fato de haver tantos cristãos nessa situação, porque era de se esperar que fosse mesmo assim por causa de nossa natureza decaída. Mas o que me preocupa realmente é haver aqueles que se acham imunes ou isentos às mesmas paixões e tribulações comuns a todos os mortais. E é aí que entra a Confissão Positiva e a Teologia da Prosperidade, que engana o ser humano decaído alçando-o a uma posição de filho de Deus no que concerne apenas aos direitos, mas não aos deveres. Como filho de Deus, segundo a Teologia da Prosperidade, tenho todo o direito de exigir de Deus tudo o eu que quiser, cabendo a Ele o dever de me atender sem pestanejar ou questionar. É impressão minha ou nós invertemos os papéis? Ah, se todos os crentes fossem assim para com Deus, cumprindo toda sua vontade imediatamente e plenamente! Não apenas a igreja seria diferente, mas o mundo!
Mas esse pensamento está fora de moda. Hoje a ordem do dia é fazer Deus obedecer você e não você obedecer a Deus, entendeu? Nem eu. Parece-me que essa tal Teologia da Prosperidade é uma repaginação da proposta satânica a Eva no Éden: sereis como Deus. Você já ouviu algum adepto dessa estranha teologia pregar que se somos filhos de Deus, à sua imagem e semelhança, somos como pequenos deuses, tal qual filho de peixe peixinho é? Preste atenção: esses “crentes” realmente se parecem com Deus? Acho que não. Então com quem eles se parecem? Parecem com o diabo! Duvida? Reflita: quando o diabo levou Jesus ao topo do monte e lhe mostrou a glória dos reinos, qual foi sua proposta ao Mestre? Tudo isto te darei, se prostrado me adorares. É isso que está acontecendo hoje. Os crentes estão querendo ver Jesus ajoelhado aos seus pés apenas aguardando a última ordem. Nós dizemos ao Senhor: eu te servirei (darei a Ti a minha alma) se me adorares (fizer o que mando).
Em uma coisa a Teologia da Prosperidade acertou: os crentes que acreditam nela realmente se tornam pequenos deuses, deusinhos: caprichosos, arrogantes, intolerantes e insuportáveis. Mas estão se tornando a cada dia mais e mais parecidos com o deus que lhes serve de parâmetro – o diabo. Quem mais ousou usurpar o lugar de Deus? Depois dele, agora os crentes que acreditam nessa aberração teológica e estapafúrdia. Os crentes que mais se parecem com Jesus são os humildes e mansos, não os arrogantes e orgulhosos. A Teologia da Prosperidade deveria se chamar Teologia da Miserabilidade, visto que torna os crentes derrotados, miseráveis, mesquinhos, orgulhosos, iludidos e presunçosos. E por fim, le grand finale: a perdição eterna. Uma teologia assim só pode ter vindo das mais profundas profundezas do inferno, bem debaixo do asqueroso trono de satanás.
Isso é prosperidade? Desde quando? Se ainda tem alguma dúvida, leia a opinião de Jesus em Apocalipse 3 a respeito da igreja de Laodicéia, que a si mesma se considerava rica e importante, e verá um reflexo bem próximo desses “irmãos”. Confira você mesmo: Apocalipse 3.14-22.
Fonte: http://www.irmaos.com/artigos/?id=1116
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