Já tinha lido bastante sobre o caso, mas sempre me resignava com a idéia: “afinal, quem vai testemunhar contra o presidente do Superior Tribunal de Justiça”? Pois é, mas apareceu alguém, e, sinceramente?, lendo a história você sabe identificar, sem muito esforço, quem é o mocinho e quem é o bandido, quem está falando a verdade e quem está mentindo.
É uma pena, mas muita gente tem o sentimento de que, no Brasil, a justiça serve aos interesses dos ricos e poderosos, enquanto os pobres e humildes, humilhados, clamam por Justiça. Não é à toa que a Bíblia chama os juízes de “deuses” (duvida? aqui ó Salmos 82:6). Existe uma anedota, contada por gente que tem contato direto com juízes e magistrados, mais ou menos assim: “Juiz pensa que é deus até conseguir ser desembargador. Por que? Ele cai na real? Não, a partir daí ele não tem mais dúvidas…”. É rir pra não chorar, não é mesmo?
E este fato relatado abaixo corrobora essa visão: juiz se acha (nem todos, claro) acima dos reles mortais, acima da lei e até mesmo, como é o caso, acima da justiça. Essa reportagem me faz ver duas coisas de forma bem clara: a primeira, que a pessoa pode ter a honra que vestir uma toga, mas honrar sua vestimenta é uma coisa muito diferente. E o exmo. min. Ari parece não se importar muito com isso.
A segunda é que a atitude e postura do estagiário Marcos merece uma nota de respeito e admiração, não apenas por sua história de vida, mas pela vida que está fazendo história. Precisávamos mesmo de um exemplo assim, de alguém injustiçado por um que deveria, em tese, defender a Justiça, e enfrentar a situação de frente, servindo de referencial para muitos. Rosa Parks é um exemplo de alguém simples que fez toda uma nação mudar seus conceitos. O conceito que o brasileiro tem da justiça, hoje, precisa mudar, não só na teoria, mas, principalmente, na prática, e espero que isso seja um sinal de novos tempos tomando forma.
Leia a reportagem que pode marcar o começo de uma era de Justiça no Brasil, se as coisas não continuarem como antes…
– Quer sair daqui? Estou fazendo uma transação pessoal – disse o senhor, após voltar-se duas ou três vezes para trás, “de forma um tanto áspera”, como relataria o jovem, em seu português impecável.
– Senhor, eu estou atrás da linha de espera. – foi a resposta, “em tom brando”, como contou, ou “de forma muito educada”, na confirmação da testemunha.
– Vá fazer o que tem que fazer em outro lugar! – esbravejou o homem em frente ao caixa eletrônico.
– Mas, senhor, minha transação só pode ser feita neste caixa…
– Fora daqui! – o grito, a essa altura, chamou a atenção de pessoas que passavam e aguardavam na agência.
E foi completada pelo veredicto, aos brados:
– Eu sou Ari Pargendler, presidente deste tribunal. Você está demitido, entendeu? Você está fora daqui, isto aqui acabou para você. De-mi-ti-do!
Assim terminou a carreira do estudante de administração Marco Paulo dos Santos, de 24 anos, na segunda mais alta corte do País. Ele entrara no STJ no início do ano, após passar por um processo seletivo do Centro de Integração Empresa-Escola (CIEE), na capital federal, do qual participaram mais de 200 candidatos. Marco ficou entre os dez primeiros. Todos os dias, saía do apartamento onde mora com a mãe e o irmão em Valparaíso de Goiás, cidade-satélite a 35 km de Brasília, e levava uma hora de ônibus até chegar ao estágio. Dava expediente das 13h às 19h, pelo que recebia R$ 600 por mês, mais R$ 8 por dia de auxílio-transporte. Pouco importa. Martelo batido.
“Foi uma violência gratuita”, avalia a brasiliense Fabiane Cadete, de 32 anos, que estava sentada com uma amiga na fila de cadeiras ao lado dos caixas eletrônicos naquele dia. “Ele (Pargendler) gritava, gesticulava e levantava o peito na direção do Marco.” Chamou-lhe especialmente a atenção a diferença de estatura – literal, no caso – dos dois protagonistas. Marco tem 1,83 metro. “O juiz puxou tanto o cordão do crachá para ler o nome do menino, que as orelhas dele faziam assim, ó”, mostra ela, empurrando as suas próprias como se fossem de abano.
Batalha difícil
Fabiane conta que ficou receosa antes de decidir depor em favor de Marco – que, no dia seguinte, registrou queixa por “injúria real” contra o presidente do STJ na 5ª delegacia da Polícia Civil do Distrito Federal. Funcionária de uma empresa que presta serviços ao tribunal, ela jura que nunca tinha visto Marco antes na vida, mas ainda assim se dispôs a contar o que viu. A amiga, que tem mais anos de casa no STJ, preferiu se preservar. “Eu não me sentiria em paz comigo mesma se não falasse”, explica Fabiane, que cursa direito no Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb). “Como futura advogada, fiquei decepcionada com o ministro.”
Como Ari Pargendler só pode ser julgado em instância superior no Judiciário, o delegado Laércio Rossetto encaminhou o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o processo corre em segredo de Justiça. Remetido inicialmente para a ministra Ellen Gracie, esta se declarou impedida por manter relações de amizade com Pargendler. Redistribuído pelo presidente do Supremo, Cezar Peluso, caiu nas mãos do ministro Celso de Mello, jurista que não tem por hábito “sentar em cima” dos casos mais polêmicos.
O depoimento de Fabiane animou o até então cauteloso advogado de Marco, preocupado em não expor seu cliente a uma contraofensiva judicial. “Não tenho vocação nenhuma para Policarpo Quaresma”, diz Antonielle Julio, que teve uma prévia das dificuldades que vai enfrentar quando solicitou à gerência do Banco do Brasil no STJ as imagens do circuito interno de segurança, que revelariam facilmente quem está com a razão. Ouviu que o sistema apresentou falha técnica e “não há imagem alguma”.
A Bíblia e os ‘policiais’
Marco Paulo dos Santos é negro, filho de brasileira com africano e nascido na Grécia. Vista de perto, sua história de vida é tão espantosa quanto o diálogo supostamente travado na agência bancária do STJ. Sua mãe, a doméstica Joana D’Arc dos Santos, de 56 anos, natural de Raul Soares (MG), passou como ele por um concurso que mudaria o rumo de sua existência. Ainda solteira, na década de 80, leu um anúncio no jornal Estado de Minas em que a esposa de um diplomata mineiro procurava uma empregada para acompanhar a família em seu novo posto no exterior. Quando chegou a Belo Horizonte para a entrevista, uma centena de candidatas já havia passado pelo crivo da patroa, mas foi Joana quem levou. “Ela agradou mais de mim”, conta, na construção típica da zona da mata mineira.
Em Atenas, Joana conheceu o marinheiro cabo-verdiano José Manoel da Graça, que trabalhava em um navio petroleiro. O namoro deslizava em mar de rosas, quando o patrão recebeu ordens do Itamaraty para se transferir para a Embaixada do Brasil no Chile. E lá se foi Joana D’Arc de volta para a América. Mas, com banzo de seu africano, em pouco tempo abandonava o emprego para voltar a sua odisseia grega. Amigou-se com Manoel em Atenas e teve com ele dois filhos: Daniel David e Marco Paulo.
Cinco anos depois, foi a saudade do Brasil que bateu e Joana embarcou de volta com os meninos. Primeiro, para Minas; depois, Brasília. Manoel foi navegar outros mares. “Fiquei esperando, porque ele nunca disse que não vinha. Os telefonemas foram rareando, só Natal, aniversário… E Manoel acabou não vindo”, dá de ombros. Hoje, é com a tormenta jurídica do caçula que ela se preocupa. “Sabe como é, a gente foi criada no negócio do ‘deixa pra lá’. Mas ele decidiu assim, entrego nas mãos de Deus.”
Em casa, o primogênito Daniel, hoje com 27 anos, é o voluntarioso e bem-humorado. Já Marco sempre foi introvertido e responsável. A mãe conta que, enquanto faxinava nas casas de família, o garoto dava um jeito de se enfurnar na biblioteca dos patrões. “Sempre foi menino de ler. Passava duas, três horas… eu até esquecia dele.” Daí a facilidade, talvez, com que passou em todos os testes que fez até hoje, inclusive o do Prouni – programa de bolsas de estudos do governo, que lhe permite cursar administração no Iesb.
vangélico, como toda a família, Marco traz sempre a Bíblia debaixo do braço. E algum romance policial de Agatha Christie e Conan Doyle. Mas também passeou por leituras mais substanciosas, como O Príncipe, de Nicolau Maquiavel. “É uma aula de vida. Ele juntou todo o conhecimento de como se governar, lidar com as pessoas, a política e o poder. É muito útil para um administrador”, ensina o estagiário defenestrado do STJ.
Na melodia do Supremo
Outro dos talentos de Marco é a música. Na igreja, deu seus primeiros acordes. E logo conseguiu uma bolsa no tradicional Clube do Choro de Brasília, onde estuda violão de sete cordas. O professor, o instrumentista carioca Fernando César, de 40 anos, é só elogios: “Ele é um cara supertranquilo, aplicado e musical. Lê muito bem partitura”. Empreendedor precoce, escreveu e lançou em junho, por uma editora evangélica, um método de ensino de violão para os fiéis sem condições de pagar por um curso. Agora, ainda desempregado, dedica-se com mais afinco à execução de clássicos como Vou Vivendo, de Pixinguinha, cujos versos finais são: “Vou vivendo assim/ Porque o destino me fez um vadio/ Novo endereço ele vai traçar/ E virei para te avisar/ Quando à noite uma toalha de estrela/ Tiver para me cobrir”.
Mesmo apreensiva, Joana D’Arc não esconde o orgulho pela coragem do filho em enfrentar o presidente de uma das instituições mais poderosas do País. “Antes de ir para a Grécia eu era um bicho assustado. Achava que por ser negra e pobre era normal ser humilhada e maltratada. Mas lá, a gente entrava num restaurante ou em qualquer lugar chique e era recebido como todo mundo. Então, não deixei meus filhos crescerem com esse pensamento meu.”
Procurado pela reportagem do Aliás para dar sua versão dos fatos, o ministro Ari Pargendler disse por intermédio da assessoria que não vai se manifestar. No telefone da corte, em chamada de espera, ouve-se a seguinte mensagem: “Ter acesso rápido e fácil à Justiça é um direito seu. STJ, o Tribunal da Cidadania”.
Fonte: O Estadão
Postou wally, admirado com a postura do Marcos, um verdadeiro Desafiador de Limites.
Escolhas: delicadas decisões Meu filho, se me ouvires e se obedeceres às minhas palavras, receberás…
imagem do vídeo linkado no final do post Adaptação e tradução parcial: Wallace Sousa, blog…
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A Paz do Senhor a todos!!
Bom como o Wally deixou um pouco de quero mais com o seu comentário, dizendo no que iria dar este processo que tramita perante o STF, lhes envio em anexo a decisão interlocutória que nega o tramite do processo em Segredo de Justiça pelo decano do STF (ministro mais antigo) Min. Celso de Mello.
Grandes expressões em favor da Liberdade de informação foram utilizadas pelo decano, mas pelo que parece será aplicado às penas alternativas de contravenções penais, mas o que garantirá uma reparação por danos morais para o nosso irmão de Brasilia né Wally....kkkkkkkk
Encontrei tal peça em minhas atualizações diárias em assuntos jurídicos....
Aproveito a oportunidade para elogiar o temas discutidos nesta lista de discussões....
Fiquem com Deus....
Abraços....
Em Cristo,
Fabrizzio
(ps. postado no Grupo da APF)
Excelente post, professor. Se todos tivessem a coragem desse rapaz, a realidade da justiça e dos magistrado brasileiros seria outra. Parabéns.
de fato, o direito não socorre os que dormem... e, muitas vezes, o \"deixa pra lá\" se torna a justificativa perfeita para quem quer fazer o mal e ficar impune.
às vezes, precisamos sair do comodismo e bater de frente com os maus, para assegurar o direito dos direitos, afrontado pelos tortos.
se nos calarmos, continuaremos a ver a injustiça correndo solta, a torto e a direito...
obg pelo comentário e contribuição.
abs.