Por: Regis Machado*
De início, vale lembrar que “sem-vergonha” não é o mesmo que “sem vergonha”.
Enquanto essa última expressão é formada pela junção da preposição “sem” com o substantivo “vergonha”, indicando a ausência de um sentimento de inferioridade ou de indecência, a primeira é adjetivo composto, designando aquele que não tem dignidade, desavergonhado, sem moral, descarado, cínico, canalha, devasso, vil. Nos dicionários, seu uso geralmente é ilustrado com frases do tipo “Existem muitos políticos sem-vergonha no país”.
Longe de ser injusto, esse tipo de exemplo se justifica ao constatarmos que nossos jornais e noticiários estão recheados de sem-vergonhices sem limites praticadas por políticos do Executivo e do Legislativo, lembrando-nos, diariamente, que a maioria dos nossos representantes está muito longe de nos representar. No mundo inteiro, o Brasil é o país cuja população menos confia nos políticos [1]. Triste realidade.
Porém, solidário aos demais poderes, ou talvez enciumado pelo seu menor protagonismo midiático, o Judiciário vem se esforçando bastante, ultimamente, para disputar com a classe política o sentimento de nojo e de repulsa por parte da população.
Em meio a uma crise econômica que gerou e mantém milhões de desempregados, pressionou o Congresso e o Presidente a aprovarem um imoral reajuste, de 16,38%, elevando seus nababescos salários para quase R$ 40.000 mensais, fora os penduricalhos, em um efeito cascata que terá impacto de cerca de R$ 4 bilhões por ano nas contas públicas [2].
O acordo era a concessão dessa benesse em troca da extinção do “auxílio-moradia”, uma imoralidade ainda maior. Qualquer pessoa com o mínimo de bom senso percebe o quão indefensável é que uma casta de privilegiados, cujo salário pode comprar uma casinha simples por mês e que, consequentemente, já mora em mansões e apartamentos de luxo, receba tal benefício, enquanto o país ostenta quase 7 milhões de famílias sem teto [3].
Mas eis que, espertamente, mesmo após a concessão do reajuste, os Conselhos Nacionais de Justiça (CNJ) e do Ministério Público (CNMP) decidiram manter o famigerado auxílio [4]. Glu-glu. Ráá.
A última ação dessa campanha de autopromoção do descrédito foi protagonizada pelo Ministro Marco Aurélio Mello, que, no apagar das luzes antes do recesso do Supremo Tribunal Federal (STF), monocraticamente, passou por cima do entendimento do plenário e mandou soltar os presos já condenados em segunda instância, ou seja, por um juiz e por um colegiado de julgadores [5].
Mantida essa decisão estapafúrdia**, diversos criminosos, muitos deles condenados no âmbito da Operação Lava Jato, terão seus desejos de Natal atendidos. O caso mais ilustre é o do ex-presidente Lula. Parece que o “bom velhinho”, este ano, resolveu agir mais cedo.
Por essas e outras, como não se revoltar com o caso do advogado Cristiano Acioli, detido pela Polícia Federal, a pedido do Ministro Ricardo Lewandowski, apenas por expressar que sente vergonha do STF [6]? Deveria ele, por acaso, ser “sem vergonha”? Impossível.
Para o bem do Brasil e o desespero dessa turma que não perde por esperar pela cada vez mais próxima Operação Lava Toga, ele teve a coragem de expressar aquilo que onze entre dez dos cidadãos que carregam este país nas costas pensam: “Sem-vergonhas!!!”
Artigo enviado pelo autor, por email.
*Auditor do Tribunal de Contas da União (TCU)
** Toffoli suspende liminar de Marco Aurélio a favor de soltar condenados em 2ª instância
[3] https://www.bbc.com/portuguese/brasil-44028774
[4] https://g1.globo.com/politica/noticia/2018/12/18/cnj-aprova-auxilio-moradia-mais-restritivo-com-ressarcimento-de-ate-r-437773.ghtml, http://agenciabrasil.ebc.com.br/justica/noticia/2018-12/cnmp-aprova-novos-criterios-para-auxilio-moradia-de-membros-do-mp
Que tal receber um aviso quando sair algo novo e interessante no blog?
Cadastre seu email e receba artigos que vão abençoar seu dia!
Blog Comments
Marilza
28 de dezembro de 2018 at 13:57
Gostaria de comentar alguma coisa, mas a indignação é tanta que nem consigo comentar nada…
Wallace
5 de janeiro de 2019 at 14:36
você está, infelizmente, certa.